Em direito previdenciário, o Princípio da Fungibilidade corresponde a possibilidade de ter concedido benefício diverso daquele requerido inicialmente, desde que preenchidos os requisitos necessários.
A aplicação da fungibilidade pode ser benéfica aos segurados, pois permite receber benefícios não requeridos inicialmente quando não preenchidos os requisitos para o benefício solicitado; ou ainda receber benefício mais vantajoso.
Continue a leitura e saiba mais sobre este Princípio.
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O que é fungibilidade?
Fungibilidade em direito previdenciário é princípio que permite conceder um benefício diverso daquele requerido, seja na via administrativa, seja na via judicial.
Pedido judicial diverso do administrativo
Muitas vezes os segurados ingressam sozinhos com pedidos administrativos no INSS, sem realizar uma análise prévia dos benefícios que podem ter direito. Ao final, com a decisão do INSS, o benefício pode não ser concedido ou então ser concedido de forma equivocada ou menos vantajosa.
Ao procurarem advogados especializados em previdenciário, é comum verificar tais erros, bem como outros benefícios possíveis e mais vantajosos que não foram requeridos.
Neste contexto, ao buscar o direito na via judicial, em alguns casos, é possível valer-se do mesmo processo administrativo, fundamentando o Princípio da Fungibilidade, desde que os requisitos para este novo benefício requerido judicialmente estejam preenchidos. Outro ponto é que é importante que o INSS, na análise do processo administrativo, tenha recebido documentos suficientes para poder analisar outros benefícios na DER.
Para melhor compreender a situação, imagine que o trabalhador chega ao escritório do advogado com um requerimento de aposentadoria por tempo de contribuição indeferido pelo INSS no ano de 2018. Durante a consulta, o especialista conclui que há direito à aposentadoria da pessoa com deficiência, benefício diverso, porém, mais vantajoso.
A dúvida que vem prontamente à cabeça nessa situação é: Será possível entrar com a ação judicial com base neste requerimento? E a resposta é sim! Isso porque, nesta situação, se aplica a fungibilidade dos benefícios.
Agora imagine que um cliente chega ao escritório com um indeferimento de benefício por incapacidade temporária (auxílio-doença). Durante a consulta o advogado conclui que ele não tem qualidade de segurado, de forma que possui direito apenas ao benefício assistencial.
Neste caso também aplica-se o princípio da fungibilidade, sendo possível o ajuizamento da ação judicial para concessão do benefício assistencial.
Sobre esta situação específica, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) já se manifestou favorável (Tema 217). A tese fixada foi a seguinte:
Em relação ao benefício assistencial e aos benefícios por incapacidade, é possível conhecer de um deles em juízo, ainda que não seja o especificamente requerido na via administrativa, desde que preenchidos os requisitos legais, observando-se o contraditório e o disposto no artigo 9º e 10 do CPC.
Logo, ainda que o pedido judicial seja diverso do pedido administrativo, não se caracteriza ausência de interesse de agir, pois pode ser aplicado o Princípio da Fungibilidade.
Decisão judicial diversa do pedido inicial
Além da possibilidade de aplicação do Princípio da Fungibilidade quando há divergência de pedidos administrativos e judiciais, também é possível a sua aplicação dentro do processo.
Neste caso, o Princípio da Fungibilidade costumeiramente é aplicado em sentença, quando o juiz, ao analisar os pedidos iniciais, as provas e o seu entendimento, constata a existência de direito a um benefício diverso do requerido na petição inicial e o concede por ser mais vantajoso.
Vejamos um exemplo: imagine que você requereu uma aposentadoria por tempo de contribuição judicialmente, mas não restou reconhecido algum dos períodos contributivos. Todavia, ao apreciar o processo, o Juízo percebe a existência de direito à aposentadoria por idade híbrida.
Neste tipo de circunstância, o juízo poderá conceder a aposentadoria por idade híbrida e, em vista do princípio da fungibilidade dos benefícios previdenciários, não há que se falar em julgamento extra petita.
Vale conferir, nesse sentido, a jurisprudência:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DE PERÍODOS ESPECIAIS. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE DOS BENEFÍCIOS. EFEITOS INFRINGENTES. ACOLHIMENTO.
- CASO EM EXAME
- Embargos de declaração opostos por segurada em face de acórdão que, ao reconhecer períodos de atividade especial, deixou de analisar o direito à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição na Data de Entrada do Requerimento (DER) em 03.05.2017, mediante aplicação do princípio da fungibilidade dos benefícios. A parte recorrente alega omissão na decisão e requer observância do Tema 1.018 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), facultando-lhe a opção pelo benefício concedido judicialmente ou administrativamente, com o recebimento das parcelas retroativas do benefício mais vantajoso.
- QUESTÃO EM DISCUSSÃO
- Há duas questões em discussão:
(i) verificar a existência de omissão no acórdão quanto à possibilidade de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição com base na DER de 03.05.2017, considerando o princípio da fungibilidade dos benefícios previdenciários;
(ii) definir os efeitos financeiros da concessão do benefício, bem como a aplicação do Tema 1.018/STJ quanto à escolha do benefício mais vantajoso.
III. RAZÕES DE DECIDIR
- Os embargos de declaração são cabíveis quando presentes omissão, contradição, obscuridade ou erro material na decisão, nos termos do art. 1.022 do Código de Processo Civil (CPC).
- No direito previdenciário, aplica-se o princípio da fungibilidade, permitindo a concessão de benefício diverso daquele inicialmente pleiteado, desde que atendidos os requisitos legais, conforme entendimento consolidado pelo STJ e pelo Enunciado 6537 da I Jornada de Direito da Seguridade Social do Conselho da Justiça Federal (CJF).
- Reconhecidos os períodos de atividade especial na decisão judicial, somados aos períodos contributivos já contabilizados, a segurada atinge 31 anos, 8 meses e 9 dias de tempo de contribuição na DER de 03.05.2017, cumprindo os requisitos para a concessão da aposentadoria integral por tempo de contribuição com aplicação do fator previdenciário, conforme art. 201, § 7º, inc. I, da CF/88, com redação dada pela EC 20/98.
- O termo inicial dos efeitos financeiros do benefício deve ser fixado na DER, em razão da apresentação oportuna da documentação necessária no âmbito administrativo, não se aplicando, ao caso, o Tema 1.124 do STJ.
- Os índices de correção monetária e juros de mora devem seguir os critérios previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos da Justiça Federal, conforme Resolução vigente.
- A parte autora pode optar pelo benefício mais vantajoso, nos termos do Tema 1.018/STJ, devendo ser compensados os valores pagos administrativamente no caso de escolha pelo benefício judicial.
- DISPOSITIVO 9. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes.
(TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv – APELAÇÃO CÍVEL – 5004429-48.2018.4.03.6183, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL INES VIRGINIA PRADO SOARES, julgado em 10/03/2025, DJEN DATA: 19/03/2025)
EMENTA: PROCESSUAL. PREVIDENCIÁRIO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE DOS PEDIDOS. FATO SUPERVENIENTE. ARTS. 493 E 933 DO CPC. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. REAFIRMAÇÃO DA DER. TEMA 995 DO STJ. DEMAIS PEDIDOS JULGADOS IMPROCEDENTES. PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DO ACERTAMENTO. POSSIBILIDADE. JULGAMENTO NA FORMA DO ART. 942 DO CPC. 1. No processo previdenciário, não tem aplicação rígida o ne procedat ex officio, tanto no que diz respeito ao princípio da demanda, como ao princípio do dispositivo (arts. 2°, 141 e 492 do CPC). Pelo princípio da fungibilidade dos pedidos, não constitui sentença extra petita a concessão de benefício diverso do requerido. Precedentes. 2. O fato superveniente referente ao período contributivo posterior ao requerimento administrativo pode ser conhecido inclusive ex officio pelo julgador, conforme previsão dos arts. 493 e 933 do CPC e definido no Tema 995 do STJ, em prol do princípio da primazia do acertamento. 3. O STJ, ao fixar tese jurídica no julgamento do Tema 995, não condicionou a reafirmação da DER à procedência, ainda que parcial, dos pedidos deduzidos na demanda, mas sim à existência de pertinência temática com a causa de pedir. […] Não por outro motivo, o STJ reconheceu a possibilidade de reafirmação da DER inclusive de ofício pelo órgão julgador, independentemente de pedido expresso do segurado. 5. Possibilitar a reafirmação da DER também nos casos em que os demais pedidos foram julgados improcedentes privilegia os princípios da primazia do acertamento, da celeridade, economia e eficiência processuais, além de conferir utilidade à ação e à provocação do Poder Judiciário, notadamente ao se considerar a nítida conotação social das ações de natureza previdenciária, as quais na sua grande maioria são propostas por pessoas hipossuficientes, circunstância que, via de regra, resulta na angularização de uma relação processual de certa forma desproporcional. (TRF4, AC 5000251-86.2022.4.04.7218, 9ª Turma , Relator para Acórdão PAULO AFONSO BRUM VAZ , julgado em 04/04/2025)
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO RURAL INTERCALADO COM VÍNCULO URBANO. AUSÊNCIA DE PRESUNÇÃO DE RETORNO À LIDA CAMPESINA. TEMPO ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A RUÍDO E HIDROCARBONETOS. TRABALHO EM CURTUME. UMIDADE. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. FUNGIBILIDADE. REAFIRMAÇÃO DA DER. 1. Como regra geral, a comprovação do tempo de atividade rural para fins previdenciários exige, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea. O início de prova material não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documentação […]. 7. Não cumpridos os requisitos necessários à concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, é possível verificar o direito à aposentadoria por idade híbrida, em face da fungibilidade inerente aos benefícios previdenciários. 8. O art. 48, § 3º da Lei 8.213/1991 permite a concessão de aposentadoria por idade híbrida ao segurado que exerceu atividade urbana e rural pelo período de 180 meses, anteriores ao cumprimento do requisito etário (65 anos para o homem – Lei 8.213/1991, art. 48, caput e art. 18 § 1º das Regras de Transição da EC 103/2019) ou ao requerimento administrativo. 9. Comprovado o exercício de atividade rural e urbana por período superior a 180 meses, é cabível a concessão de aposentadoria por idade híbrida mediante reafirmação da DER para a data de cumprimento do requisito etário. 10. A concessão do benefício mediante reafirmação da DER implica sucumbência recíproca entre as partes. (TRF4, AC 5010371-72.2018.4.04.7108, 11ª Turma , Relatora para Acórdão ELIANA PAGGIARIN MARINHO , julgado em 09/04/2025)
Direito ao melhor benefício
Como referido, a fungibilidade é um princípio utilizado a favor dos beneficiários. Tal situação decorre do fato de um dos pilares deste princípio ser o dever de concessão do melhor benefício ao segurado pelo INSS.
Esta previsão estava constante na Instrução Normativa 77/2015:
Art. 687. O INSS deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientar nesse sentido.
Na Instrução Normativa 128/22, embora não replicado o artigo 687 da IN77/15, foi editado o artigo 577, que, mantendo o direito ao melhor benefício, assim dispõe:
Art. 577. Por ocasião da decisão, em se tratando de requerimento de benefício, deverá o INSS:
I – reconhecer o benefício mais vantajoso, se houver provas no processo administrativo da aquisição de direito a mais de um benefício, mediante a apresentação dos demonstrativos financeiros de cada um deles; e
II – verificar se, não satisfeito os requisitos para o reconhecimento do direito na data de entrada do requerimento do benefício, se estes foram implementados em momento posterior, antes da decisão do INSS, caso em que o requerimento poderá ser reafirmado para a data em que satisfizer os requisitos, exigindo-se, para tanto, a concordância formal do interessado, admitida a sua manifestação de vontade por meio eletrônico.
Ainda na esfera administrativa, é importante destacar o Enunciado 01 do Conselho de Recursos da Previdência Social:
ENUNCIADO 01 A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o beneficiário fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido.
I – Satisfeitos os requisitos para a concessão de mais de um tipo de benefício, o INSS oferecerá ao interessado o direito de opção, mediante a apresentação dos demonstrativos financeiros de cada um deles
Ademais, na mesma linha dos dispositivos administrativos, o próprio Decreto 3.048/99, no artigo 176-E, prevê a hipótese de concessão do melhor benefício pelo INSS:
Art. 176-E. Caberá ao INSS conceder o benefício mais vantajoso ao requerente ou benefício diverso do requerido, desde que os elementos constantes do processo administrativo assegurem o reconhecimento desse direito. (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
Parágrafo único. Na hipótese de direito à concessão de benefício diverso do requerido, caberá ao INSS notificar o segurado para que este manifeste expressamente a sua opção pelo benefício, observado o disposto no art. 176-D. (Incluído pelo Decreto nº 10.410, de 2020)
Além disso, devemos ter em mente que uma vez que o segurado possui direito adquirido a uma determinada prestação ou regra de cálculo, esta se incorpora ao seu patrimônio jurídico.
Em outras palavras: o segurado possui direito adquirido a uma determinada situação jurídica, ainda que comprove que possui este direito em momento ulterior.
Sendo assim, a concessão do melhor benefício é indissociável do entendimento acerca do Princípio da Fungibilidade, pois é a base para a permissão de aplicação de benefícios diversos daqueles requeridos.
Falta de interesse de agir X Princípio da Fungibilidade
Considerando que o Princípio da Fungibilidade permite a concessão de benefícios diversos dos requeridos, muitas vezes é possível se deparar com argumentos sobre a falta de interesse de agir.
No entanto, o que permite afastar a falta de interesse de agir nestas situações de fungibilidade é o preenchimento dos requisitos para outro benefício na DER, bem como a demonstração deste direito já na esfera administrativa e o dever de análise pelo INSS.
Isto é, para que seja possível a concessão do benefício diverso é preciso que o INSS, na época da análise do requerimento administrativo, tenha tido acesso a todos os dados necessários para avaliar outras hipóteses de direito. Ou seja, é preciso que o segurado tenha anexado todos os documentos e que o INSS tenha a obrigação de analisá-los.
Como exemplo, podemos citar o benefício assistencial e o benefício incapacidade.
No benefício por incapacidade temporária deve ser analisada a incapacidade por prazo superior a 15 dias, a qualidade de segurado e a carência. Já no benefício assistencial, exige-se a deficiência ou limitação por prazo superior a dois anos, e a miserabilidade.
Sendo assim, na perícia médica inicial de benefício por incapacidade temporária, já se é possível aferir se há incapacidade, se há impedimento de longo prazo e/ou se há deficiência.Quanto aos demais requisitos, se verificado o não preenchimento da qualidade de segurado e carência no benefício por incapacidade, não obsta o benefício assistencial, que não exige tais requisitos, mas tão somente a miserabilidade.
Assim, se na perícia médica for constatada a incapacidade, limitação ou deficiência, é dever do INSS avaliar os demais requisitos dos benefícios assistenciais e até mesmo do benefício de auxílio-acidente, sem que isso descaracterize o interesse de agir.
No entanto, o mesmo não se aplica quando o segurado ingressa com pedido de aposentadoria por tempo de contribuição, não apresenta nenhum documento, e na via judicial busca a aposentadoria especial ou aposentadoria da pessoa com deficiência. Isto, pois, o INSS não teve acesso a documentos que pudessem ensejar a análise dos requisitos específicos destas modalidades de aposentadoria.
Logo, neste caso, falta o interesse de agir pela ausência de informações mínimas ao INSS. Ainda que o INSS tenha o dever de orientação, é preciso que haja algumas “provocações”, como um requerimento administrativo expresso informando os tempos especiais que deseja ver reconhecidos e/ou especificações sobre a deficiência (indicando grau, CID e data de início da patologia), não podendo presumir que o INSS saiba de tais especificações.
É possível o INSS conceder benefício diferente do que eu solicitei?
Sim, se verificado que há benefício mais vantajoso que o solicitado, o INSS pode conceder benefício diverso. No entanto, deverá solicitar autorização expressa do beneficiário, bem como demonstrar o extrato financeiro dos valores de cada benefício.
O juiz pode, de ofício, conceder benefício não requerido na petição inicial?
Sim, com base no dever de concessão do melhor benefício e no princípio da fungibilidade, o juiz pode conceder benefício diverso do requerido.
Peça relacionada:
Deixo aos colegas, por fim, um modelo de apelação contendo a tese de fungibilidade dos benefícios previdenciários:
- https://previdenciarista.com/peticao-inicial-concessao-de-aposentadoria-por-invalidez-conversao-de-beneficio-assistencial-em-aposentadoria-por-invalidez-20230713041816/
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